Febre dos bebês reborn chega a Jaraguá do Sul: o que explica o afeto pelas bonecas hiper-realistas?

Adriana Nardelli
À primeira vista, eles enganam o olhar. A pele macia, as veias sutis sob o tom rosado, as dobrinhas nas articulações – tudo remete à fragilidade e doçura de um recém-nascido. Mas eles não são de verdade, são os chamados bebês reborn: bonecas hiper-realistas produzidas com precisão artesanal, e que vêm despertando não só curiosidade, como debates polêmicos por todo o país.
Mas qual o motivo deste “boom”, que tem agitado as redes sociais e estampado as manchetes dos noticiários? Para entender um pouco melhor essa febre dos reborn, e o que ela representa para Jaraguá do Sul e região, o JDV conversou com uma artesã da cidade e também profissionais da saúde que contribuíram com o olhar psicológico para o tema.
Uma artesã de Jaraguá do Sul no centro da tendência nacional

Feitos geralmente de forma artesanal, com técnicas de pintura e enraizamento de fios, eles têm se tornado mais do que brinquedos para as crianças e objetos de colecionadores. Para quem os adota, podem representar cuidado, acolhimento e, em muitos casos, uma forma delicada de lidar com histórias emocionais profundas.
É o que acredita a artesã Adriana Nardelli, de 44 anos, que trabalha com a confecção dos bebês desde 2019. Para ela, a entrega de um reborn nunca é apenas uma venda; cada produção traduz uma emoção diferente em quem tem contato com eles.
“Para as crianças, [os bebês reborn] trazem o cuidado, o carinho maternal, o amor, a confiança e a aproximação dos pais. Para os adultos, a recordação da infância, a oportunidade de ter uma boneca que nunca pôde ter, eternizar a imagem de um filho amado, um colo perdido… Tudo que remete ao fraternal e ao emocional.”
Muito além de uma nova atividade profissional, Adriana encontrou no universo reborn uma forma de expressão emocional e artística. Tudo começou quando a filha pediu um destes bebês de presente de Natal. “Pesquisei e me aprofundei mais sobre eles, como eram feitos, e me apaixonei. Sempre gostei de arte, desenho e pintura. Tudo se encaminhou de uma forma maravilhosa, e conheci pessoas incríveis que me colocaram nesse mundo tão mágico”, relembra.
A partir da confecção do primeiro bebê reborn para a filha, ela deu início a um processo de especialização que incluiu cursos com artistas internacionais e aprimoramento em pintura realista. Hoje, cada produção leva em média 20 dias, com processos que envolvem dezenas de etapas: desde a escolha do kit do boneco cru, a aplicação minuciosa de camadas de tinta para alcançar o tom e a textura de pele de um recém-nascido, até o enraizamento manual dos cabelos, com uma agulha especial. “Todos os processos são importantes e precisam ser feitos com atenção e técnica. A delicadeza nos detalhes é o que torna cada bebê único e exclusivo.”
A artesã já vendeu suas produções para diversas regiões do Brasil e também para fora, como Alemanha e Estados Unidos, por exemplo. E, embora tenha vendido bebês para pessoas de várias idades e perfis – como adolescentes, idosas e colecionadores – o público infantil ainda é predominante.

Maternidades reborn e a imersão simbólica
O envolvimento emocional com os reborns é tão intenso que, em algumas cidades, surgiram espaços especializados que simulam a chegada de um bebê real. A poucos quilômetros daqui, em ville, há uma maternidade reborn, onde as entregas são feitas com todo um ritual simbólico: berço, roupinhas, certificado de nascimento e pulseirinha de identificação.
O ambiente é cuidadosamente decorado para acolher mães simbólicas que desejam tornar o momento ainda mais especial. Há quem vá acompanhada da família inteira para registrar o recebimento, como se fosse um nascimento real.
Embora ainda não conte com um espaço físico como este, a artesã Adriana Nardelli se empenha em proporcionar uma experiência completa aos seus clientes, independentemente se a entrega será em Jaraguá do Sul ou longe daqui. Cada bebê vai em uma caixa personalizada, que inclui enxoval, certidão de nascimento, certificado de autenticidade — comprovando que a peça foi feita de forma totalmente artesanal —, carteirinha de vacinação, teste do pezinho e um manual com orientações de cuidado.
Os detalhes são pensados com tanto zelo que todas as bonecas apresentam marquinhas comuns a recém-nascidos reais, como o sinal da vacina BCG – aplicado normalmente no braço das crianças nas primeiras horas de vida, para proteger contra a tuberculose – e a marca do teste do pezinho no calcanhar.

Segundo a artesã, para as crianças, esse cuidado vai além da estética: pode se tornar uma maneira lúdica e afetiva de aprender sobre saúde e autocuidado. “É uma forma leve de mostrar a importância das vacinas e de estimular o cuidado com o outro”, explica.
O que a psicologia explica sobre o tema?
Com mais de 30 anos de experiência, a psicóloga clínica Lúcia Helena Lopes, especialista em desenvolvimento emocional, Constelação Familiar e PNL, explica que o vínculo com os bebês reborn pode ser compreendido como uma ponte entre o mundo interno e o externo, como concebido pelo psicanalista Donald Winnicott. “Eles funcionam como algo que oferece conforto psíquico e representa uma ponte entre o mundo interno e a realidade. Vejo que muitas pessoas encontram nesses bebês uma forma simbólica de expressar afeto, cuidar de algo ou elaborar ausências emocionais”, esclarece Lúcia.
Ela ressalta que o uso dos reborns pode ser terapêutico em alguns casos, como o enfrentamento do luto, da infertilidade, de vivências de abandono ou mesmo na solidão. “Quando utilizados com consciência e com acompanhamento, esses bebês podem auxiliar a pessoa a entrar em contato com emoções difíceis, permitindo um cuidado interno mais gentil e comivo.”

No entanto, há limites importantes a serem observados. Segundo a psicóloga, o uso simbólico se torna disfuncional quando começa a substituir relações reais. Por isso, alguns sinais a serem notados por familiares e amigos incluem: isolamento social, recusa de vínculos humanos e dependência do reborn para atividades cotidianas. Nesses casos, ela explica que é fundamental buscar ajuda para compreender o que está sendo evitado ou protegido através desse vínculo.
Mestre em avaliação psicológica e doutora em psicologia, Fernanda Winter concorda que há riscos quando o uso ultraa o campo simbólico. Para ela, nestes casos, à luz da psicologia, não seria a opção mais adequada para lidar com tais questões na vida adulta, uma vez que existem ferramentas mais eficientes. “Precisamos cuidar para que o uso de bonecas hiper-realistas não acarrete em piora de sintomas psicológicos”, acrescenta.
Fernanda observa que há diversas teorias que ajudam a entender esse vínculo, como o desejo inconsciente de cuidar, a maternagem compulsória ou a necessidade de conexão afetiva. “É uma ferramenta que tem vários vieses. Pode até servir como apoio simbólico, mas ainda estamos no campo das hipóteses. Os estudos sobre esse fenômeno ainda não são robustos. As bonecas reborn existem há muito tempo, mas só agora estão ganhando visibilidade como parte de processos emocionais mais amplos, o que exige cautela e investigação clínica.”
Diante desse cenário, a psicóloga Lúcia Helena Lopes reforça que mais relevante do que julgar comportamentos é criar espaços de escuta empática e acolhedora.
“Os bebês reborn convidam a sociedade a olhar para questões que muitas vezes são silenciadas: o luto pela maternidade que não aconteceu, a idealização do cuidado… por isso, o que podemos tirar de lição disso tudo é prestarmos mais atenção aos vazios emocionais que nem sempre encontram espaço para serem acolhidos”, finaliza.
Famosos, redes sociais e o impacto na opinião pública
A visibilidade em torno do tema ganhou força principalmente com a adesão de celebridades à adoção das bonecas. Como os casos do padre Fábio de Melo, que adotou uma reborn com síndrome de down, e a influenciadora Gracyanne Barbosa que publicou vídeos cuidando de uma. Ela declarou: “Podem me julgar, mas me trouxe felicidade”. A fala ecoou em milhares de seguidores que aram a compartilhar também suas experiências com as bonecas.
Além disso, um dos episódios que mais chamou a atenção do público foi a transmissão ao vivo, pela RedeTV!, de um parto simbólico de bebê reborn durante o programa da apresentadora Luciana Gimenez. A cena, em que o boneco é retirado de uma bolsa plástica com líquido, deixou a apresentadora surpresa.
O fenômeno chegou também ao cenário político. No Rio de Janeiro, vereadores aprovaram a criação do “Dia da Cegonha Reborn”, uma data simbólica em homenagem às artesãs e às mães afetivas que adotam os reborns. Além disso, a repercussão nacional ganhou força também no Congresso. Projetos de lei foram apresentados na Câmara dos Deputados tratando diretamente do tema, com propostas que vão desde a regulamentação do uso dos bonecos até medidas de apoio psicológico a pessoas que desenvolvem vínculos intensos com eles.
Como isso impacta sua vida?
O fenômeno dos bebês reborn, que movimenta redes sociais e pauta programas de TV, não é só uma tendência distante. Ele está aqui, em Jaraguá do Sul, ganhando forma nas mãos de artesãs locais e revelando histórias que também são nossas. Trazer esse tema para o hiperlocal é reconhecer que debates sobre afeto, saúde emocional e formas de cuidado simbólico também atravessam a nossa cidade.
Entender o universo dos bebês reborn, portanto, é também lançar um olhar atento para as diferentes formas de expressão artística, emocional e vínculo afetivo presentes na sociedade.
Gabriela Bubniak
Jaraguaense de alma inquieta e jornalista apaixonada por contar boas histórias. Tenho fascínio por livros, música e viagens, mas o que me move é viver a energia de um bom futsal na Arena e explorar o que há de melhor na nossa terrinha.