Jaraguaenses mundo afora: os desafios e alegrias de quem decidiu recomeçar a vida em Luxemburgo

Foto: arquivo pessoal
A vida é feita de recomeços. Alguns sutis, quase imperceptíveis, e outros imensos, do tamanho de um oceano. Foi um desses que Daniela Maçaneiro escolheu atravessar em 2017, movida pela coragem e aquele frio na barriga que acompanha as grandes decisões. Nascida em Rio do Sul e criada em Jaraguá do Sul, a catarinense deixou para trás a rotina e tudo o que lhe era familiar para começar uma nova etapa em um dos menores e mais surpreendentes países da Europa: Luxemburgo.
Pequeno no mapa, mas gigante na experiência de quem vive, Luxemburgo é um país que esconde uma combinação rara de história e vida moderna. Entre castelos medievais que parecem saídos de livros, ruas impecáveis, florestas preservadas, ônibus elétricos e trens que cruzam fronteiras com pontualidade suíça, o país europeu tem conquistado olhares atentos – especialmente de quem busca viver com mais calma, segurança e menos caos no dia a dia.

Foi exatamente esse equilíbrio que encantou Daniela, de 41 anos, ao trocar o Brasil pelo velho continente. O que começou como uma busca por qualidade de vida e novas oportunidades virou lar definitivo; foi onde ela encontrou o equilíbrio entre estabilidade profissional e conexão com o mundo.
*Esta matéria faz parte da série especial “Jaraguaenses mundo afora”, que compartilha histórias reais de quem partiu em busca de novos caminhos, recomeços e sentidos — mas que, mesmo longe, carrega Jaraguá do Sul como parte essencial de quem é.
Quando a vontade de mudar fala mais alto
O desejo de mudança começou a ganhar forma em 2015, quando Daniela descobriu que sua família tinha origens luxemburguesas. A partir dali, ela iniciou o processo de recuperação da cidadania – um direito facilitado pelo governo do país como resposta ao envelhecimento da população local. A medida permitiu que muitos descendentes, como ela, reivindicassem sua nacionalidade de origem. Só em 2023, mais de 4 mil brasileiros conquistaram a cidadania luxemburguesa por esse caminho, que aproximou muitas famílias do pequeno país europeu.
Dois anos depois, em 2017, com o aporte em mãos e a coragem na bagagem, a jaraguaense embarcou para o que seria um dos maiores recomeços da sua vida.

Importante dizer que a decisão de sair do Brasil não veio de impulso. Mesmo com a documentação pronta, ela sabia que atravessar um oceano era mais do que uma mudança de endereço – era um mergulho em tudo o que era novo. Foi preciso preparo emocional, disposição para recomeçar do zero e uma vontade genuína de viver algo diferente.
Luxemburgo chamou sua atenção desde o início não só pela boa reputação, mas por parecer um lugar possível. Pequeno, organizado, multicultural, com uma economia sólida e boas perspectivas de trabalho. “Me pareceu o lugar certo pra recomeçar”, conta.
Um novo ritmo de vida e convivência multicultural no dia a dia
Logo nos primeiros meses, Daniela percebeu que Luxemburgo funciona num como diferente. O transporte é pontual, as ruas são calmas, a natureza é muito presente na paisagem, e as pessoas vivem com menos correria. “Tudo aqui funciona sem pressa, mas com eficiência”, descreve e revela que não demorou para que esse novo ritmo começasse a fazer sentido para ela. A tranquilidade virou aliada da rotina e da saúde mental também.

Mas fora a calma, uma das principais coisas que encantam Daniela até hoje é como Luxemburgo abriga gente de todo lugar. O país, inclusive, tem três idiomas oficiais — francês, alemão e luxemburguês —, e a convivência com essa diversidade linguística é parte do dia a dia. “Aprendi a respeitar ainda mais as diferenças”, conta.
Essa convivência virou uma escola diária — tanto nas pequenas conversas do dia a dia ou em eventos culturais espalhados pelo calendário do país. Um dos momentos preferidos dela é a Schueberfouer, uma feira tradicional cheia de cores, comidas típicas e clima festivo que costuma ocorrer em meados de agosto.
Além disso, morar fora fez a catarinense olhar para si com outros olhos, descobrir gostos que não imaginava e se adaptar a jeitos de viver completamente diferentes. Foi assim que o Gromperekichelcher – um bolinho de batata frito e crocante, típico das feiras – entrou no cardápio afetivo dela. “É viciante!”, brinca e deixa como sugestão a quem um dia for visitar o país.

Também aprendeu que, apesar de serem mais reservados, os luxemburgueses sabem ser generosos no acolhimento quando a confiança é construída aos poucos. Essa mistura de discrição, gentileza e rotina bem organizada acabou ganhando espaço no coração dela — e ajudou a transformar aquele recomeço em pertencimento de verdade.
Mercado de trabalho: portas abertas para quem se prepara
Daniela é formada em istração e, desde que chegou a Luxemburgo, trabalha em um banco. O setor financeiro é um dos pilares da economia local, e a presença de estrangeiros na força de trabalho é comum — reflexo direto da estrutura aberta e altamente desenvolvida do país.

Luxemburgo, aliás, é o último grão-ducado ainda existente no mundo, com uma forma de governo que mistura tradição e estabilidade: uma monarquia constitucional dentro de uma democracia parlamentar, liderada por um grão-duque. Apesar de ter pouco mais de 500 mil habitantes, o país figura entre as nações com maior PIB per capita do mundo, o que o torna um verdadeiro polo de oportunidades.
Mas, para se inserir com mais tranquilidade neste mercado, ela reforça que é preciso preparo: inglês fluente é o básico, e conhecer francês e alemão pode fazer toda a diferença. “No meu trabalho, falo inglês, um pouco de francês e até alemão. O ambiente é super multicultural”, relata. Para brasileiros sem cidadania, o ideal é ter uma proposta de emprego antes de se mudar. A oportunidade existe — mas é preciso chegar pronto.
Jaraguá do Sul segue presente na rotina
A saudade existe, e ela aparece nos momentos mais simples. É da família que Daniela sente mais falta, além das conversas animadas, da comida brasileira e daquele “calor humano” que, segundo ela, é difícil de encontrar fora do país. Mas com o tempo, ela foi criando jeitos de manter vivas essas conexões.
Faz feijão toda semana, escuta música brasileira e não abre mão de comemorar Festa Junina ou Natal no estilo que aprendeu desde pequena. “Esses rituais ajudam a matar a saudade e a manter minha essência”, diz.
Nos primeiros anos, a dúvida sobre voltar ao Brasil ainda rondava seus pensamentos. Mas hoje, ados oito anos, ela garante que Luxemburgo é seu lar.
“Nunca digo ‘nunca’, mas por enquanto é aqui que quero estar. Construí minha vida, criei raízes”, afirma.
Dicas sinceras para quem também sonha em viver fora
E para quem pensa em tentar a vida fora, Daniela não mede palavras: é preciso estar disposto a sair da zona de conforto. “Aprenda idiomas, pesquise muito e venha com o coração aberto, mas com os pés no chão”, aconselha. Além disso, pesquisar muito sobre o país que deseja ir, e entender se faz sentido para si; Luxemburgo, por exemplo, tem um custo de vida alto e o clima pode ser bem cinza por longos períodos.

Ela sabe, por experiência própria, que morar em outro país está longe de ser um conto de fadas. Tem dias bons e dias desafiadores, tem saudade, adaptação e muito aprendizado envolvido, por isso o planejamento e preparo psicológico são essenciais.
Mas se tem uma coisa que ela faria diferente? Sim: teria estudado mais francês antes de embarcar — e se cobrado menos no início do processo de adaptação. “Leva tempo pra se sentir em casa. E tá tudo bem se for assim”, diz.

Como isso impacta sua vida?
A trajetória de Daniela mostra que, às vezes, recomeçar é uma necessidade que vem de dentro – mesmo quando não há uma razão urgente, ou quando tudo parece estar no lugar. É a forma que muitas pessoas encontram de viver com mais sentido; é sobre assumir o próprio roteiro, mesmo sem saber exatamente como será o próximo capítulo.
E o mais bonito é que, mesmo quando a gente vai longe, tem lugares que continuam sendo casa. Porque, no fim das contas, não importa quantos quilômetros se percorra: Jaraguá do Sul sempre segue junto, em forma de memória, afeto e identidade.
Gabriela Bubniak
Jaraguaense de alma inquieta e jornalista apaixonada por contar boas histórias. Tenho fascínio por livros, música e viagens, mas o que me move é viver a energia de um bom futsal na Arena e explorar o que há de melhor na nossa terrinha.